olhares sobre o que é moda regional – um texto de Jorge Feitosa: Há uma semana (13 de maio) vi no feed do Instagram da Harper’s Bazzar Brasil (@bazzaarbr) uma postagem sobre a #prefall2021 da @alexandermcqueen e achei uma lindeza um vestido branco, com mangas bufantes e estampas em preto, estilo xilogravura.
Também estou observando a reação das pessoas que comentam sobre essa peça em vários perfis que a replicaram, inclusive no perfil oficial da marca. Muitas delas a elogiam e a maioria delas, além de elogiar cobram uma resposta da marca em relação à origem dos desenhos. Algumas até reivindicam essa fonte como sendo as xilogravuras regionais nordestinas do Mestre Artista J. Borges, citando o ocorrido como apropriação cultural. Acho muito lindo quando acontece esse fenômeno de identificação com a imagem de moda, isso porque sou Costureiro/Estilista e, como nordestino fico mais contente ainda com a reação de reivindicação dessa imagem, que está acontecendo por parte de algumas dessas pessoas.
Durante minha adolescência inteira (década de 1990) minha cabeça foi bombardeada com frases do tipo “a globalização é o futuro”, “conheça o mundo inteiro com a globalização”. Ensinamentos de que “o mundo é todo seu, basta você ir lá e pegar”. Traduzindo, a mídia reforçava (e ainda tem quem fale isso até os dias atuais) a ideia da apropriação cultural, colonização, com informações que pasteurizavam as culturas diversas, transformando-as em imagens, objetos, artigos, roupas, estéreis. Que acabavam descoladas de sua produção e significados originários e colocando sobre a reprodução desses itens o que pudesse interessar ao consumismo.
Esse fenômeno de esterilização do que é produzido e colocado para as culturas originárias acaba desviando o valor, a atenção, o reconhecimento para um local de reprodução dessas culturas. E não é raro a partir desses casos, ser detectado um fenômeno muito interessante, que é o de, apenas perceber aquele signo a partir do momento em que o outro faz uso dele. E foi por isso que esse caso do vestido da grife Alexander MacQuuen me chamou atenção. Nós não nos damos conta da beleza que temos, até o outro aparecer vestindo-a.
O que produzo como Moda, às vezes (e dentro dessas vezes em algumas delas como forma pejorativa), é intitulado como Moda Regional ou Folclórica. Digo “às vezes” porque falam isso geralmente quando sabem que sou pernambucano, ou nordestino. Pois quando essa informação é desconhecida, esses termos não fazem parte da pauta. Isso pode ocorrer por vários motivos, mas particularmente eu acredito que a leitura sobre o que desenvolvo, ser regional ou não (para além, é óbvio, do fato de eu ser nordestino e de falar sobre as minhas vivências através do meu ofício), deve-se à capacidade de letramento de quem lê.
“Meu trabalho só é lido como regional, quando a informação de onde eu nasci fica evidente. Essa categoria me classifica como quem contém um limite estereotipado e folclórico.”
Se alguém (como foi o caso de um dos comentários no Instagram sobre o vestido da marca Alexandre McQuuen) conhece a estética da xilogravura a partir do quarto do BBB, e não se interesse em conhecer sua origem, esse será o seu repertório. Assim como algumas pessoas intitulam o que produzo como Moda Regional, apenas por eu ser nordestino e, que nesse caso elas têm muita razão! Mas eu poderia ser um nordestino que reproduzo a moda regional texana, paulistana, soteropolitana, parisiense, congolesa.
Segundo definições de Oxford Languages o termo “regional” é um adjetivo de dois gêneros sendo: 1.que pertence a ou é próprio de uma região; 2.substantivo masculino conjunto musical que executa composições próprias de uma região, usando instrumentos típicos locais. A partir desse entendimento podemos idealizar que toda moda é regional, de que ela pode até não ser do Nordeste do Brasil, mas ainda assim será regional.
Em sua tese de MESTRADO EM EXTENSÃO RURAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL a Mestra Marialu Bezerra dissertou sobre A XILOGRAVURA ESTÁ NA MODA: VESTUÁRIO, FOLKMARKETING E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA FEIRA DE ARTESANATO DE CARUARU – PE (2014). Na página 46 da sua dissertação ela apresenta a seguinte informação:
Até eu ler a dissertação da Mestra e amiga, em 2018, eu não tinha ideia disso. A minha relação com a estética da xilogravura vem de criança, dos cordéis que meu pai colecionava e com os quais eu soletrei algumas das primeiras palavras. Então culturalmente eu fui ensinado que a literatura de cordel e sua estética xilográfica eram originárias da minha região. O que não deixa de ser, pois o modo como ela se apresenta ali, no agreste pernambucano, é totalmente constituída ao redor do cotidiano daquele povo. Hoje, depois de algumas pesquisas sobre o tema, eu entendo que existem diversos artistas de Pernambuco que produziram e produzem xilogravura, dentre os quais eu gosto muito dos trabalhos dos Gilvan samico e do J. Borges, os quais aliás, têm trabalhos com estética distinta.
Todas as manifestações são regionais, até mesmo as das metrópoles. Por isso, independente de todas as “releituras” ou “ressignificações” que fazemos, é muito importante entender se a gente produz o nosso regional ou se reproduzimos o regional dos outros.
AMPLIE A CONVERSA
Para ampliar a conversa e o repertório sobre o assunto, o Box Fashion indica aqui dois episódios de podcast trazidos em colaboração por Thammy Farias.