Se repetem em meus dias algumas consciências em que me percebo quando me pego numa mesma sequência de palavras já conhecidas, separadas num hiato de tempo, que agora já aos 35 consigo me dar conta de uma distância entre a primeira vez em que falei e nessa mais recente, que vai me escapando da boca enquanto falo ao mesmo tempo que essa sensação deja vu me atravessa.
Tenho me repetido dizer de um mestrado, de uma necessidade de escrever como antes e é claro dos sonhos amontoados em post its no meu quarto de trabalho.
Agora além das repetições constantes, cada vez mais frequentes, há um reconhecimento como o de alguém que olha de cima com um chicote medidor, que me lapeia fino as costas como numa contagem, todas as vezes e a cada vez em que eu me repito. Isso é novo.
Novo também é o senso de covardia cada vez mais apurado, enquanto os dias passam, o medo se manifesta de outras formas e nisso o acento deste senso se faz presente num canto único de meu sofá, com marca de uso na almofada e tudo mais que houver de demarcador dessa qualidade afinada.
Quanto mais me dou conta, mais ele cresce, o senso, mais ela se faz vista, a covardia, mais eu a sinto, mas elaborada fica e monstruosa segue ganhando o espaço total da sala.
Inclusive eu já tive a ideia de um texto sobre coragem e covardia na moda. Nunca o o escrevi. Mas hoje algo novo se deu no ciclo de repetições e eu me toquei de que: quando aconselhamos outras pessoas, estamos aconselhando a nós mesmos.
A anjinha que me fez perceber-me num espelho foi minha amiga e fotógrafa Daiane Maiara. Era um papo sobre as preocupações dela a respeito de roupas para pessoas gordas, tamahos plus size, grade de tamanhos defasadas nas ofertas das lojas e teorias bem arrumadas na cabecinha dela sobre como o mercado tinha brechas na oferta de produtos para este segmento.
Além é claro da vivência completa dela mesma nos provadores de lojas, nas “descredibilizações” de suas falas com profissionais da área, invalidando suas dores, sua necessidade.
Vi que ali Daiane tinha na conversa dela uma pesquisa incrível de mestrado, uma pesquisa empírica e muito mais para fazer nessa busca por respostas a respeito de moda, corpos gordos, ofertas de produtos, designer e muito mais que as minhas vistas não alcançam.
Eu só consegui dizer que ela visse tudo, listasse tudo e iniciasse ela mesma uma jornada em busca de respostas a respeito desses pontos todos levantados.
Ela argumentou que produtos para pessoas gordas tinham circunferência maior na cintura mas apertavam nos braços, eu lhe disse que isso era pano para manga. Um trocadilho infame que fez todo sentido.
Sugeri um diário com escrita manual, depois um blog, mas eu já estava pensando num podcast e terminei dizendo a ela que caberia inscrever algo assim num edital para publicação de livros. Foi tão bom ver ela de olhos brilhando com as ideias.
Mas foi exatamente quando saiu da minha boca a palavra blog que a ficha vinda da casa do caralho caiu no meu colo, me mantendo calado olhando para o nada na pistinha de cooper do parque florestal enquanto ela dizia coisas como: fita métrica, usar jeans apertado e tirar fotos em provadores de grandes magazines. Eu tava muito longe já.
O estalo foi que eu também devesse estar preocupado com esse algo meu que deva ser colocado para o mundo, na minha área de interesse. Olhar para isso como algo de valor para ser observado, movido e feito.
Essa semana eu quis tanto investigar umas informações loucas de uma criadora de conteúdos da minha cidade, escrever sobre e devolver uma fala muito mais embasada, concreta e melhor elaborada. Sabe, essa gente facistóide que prosperou no pós estratégia de sobrevivência empreendedora? Nossa… isso deveria me mover sabe.
E aqui estou eu. A ficha no colo, um blog online, minhas redes sociais e eu dizendo nada do que quero. Mas calma e avante, preciso seguir em frente e usar esse novo diferente que seu deu na repetição. Em janeiro do ano que vem eu não posso mais estar reclamando de não ter feito, em pleno fevereiro.
Acho que um bom campo de pesquisa pode ser essa coisa de como a comunicação se dá e acontece em meio a informalidade, nas feiras populares.
Como essas pessoas vendem? O que elas acham que é efetivo, quais as estratégias dessa comunicação informal, empírica e tão evocadora de sentidos próprios que move tanta grana, corpos, modos e resulta nessa efervescência econômica pujante (já ouvi alguém usar essa palavra e achei bonita, mas agora quando escrevi e lembrei de quem falou, achei uma palavra cansada).
É isso por hora. Meu diário começou. Na brecha das coisas que se repetem e das coisas que mudam parece que agora eu talvez esteja pronto para que sabendo disso eu deva me mover de fato.
Foto da capa: Davis Jofre – dezembro de 2024