Você conhece a pessoa que faz as roupas que você veste? Já parou para se perguntar que respostas podem aparecer ao se fazer esta pergunta? As roupas que usamos antes de serem objeto simbólico de moda, do tempo em que vivemos e do que mais você agregá-las (estilo, personalidade etc.) são o fruto do trabalho de outros humanos e envolvem reais valores para além da sua face glamorosa num clique das redes sociais. Por isso vamos a lhe perguntar e convocar: Quem faz as suas roupas? Celebre o dia da costureira.
Hoje segundo a AssociaçãoSantacruzense de Contabilistas é o dia da costureira na cidade de tradição empreendedora da moda. Antes de citarmos o contexto da data, preferimos não começar dizendo esse ser um dia a se comemorar, como conhecemos outros dias nos calendários escolares, por exemplo. A data é uma oportunidade de pensar o contexto da moda no arranjo produtivo do polo de confecções como um todo.
Comecemos a explicar a data, que tem espalhada pelo Brasil vários dias para ser comemorada em diversas e distintas convenções de classe, por exemplo, dias 25 de maio ou a segunda-feira de carnaval. Independente da data física nos calendários comemorativos, vamos recorrer ao clichê de dizer que todo dia é dia da costureira, ainda mais no polo de confecções pernambucano que segundo dados do estudo “Diálogo Social; Mulheres costurando direitos” (clique aqui para ver mais), a jornada de trabalho de mulheres costureiras no polo podem variar entre 10, 16 e 19 horas de trabalho diário (considerando várias especificidades – veja o estudo).
Essas e muitas outras informações apontam para a urgente reflexão de considerar hoje o trabalho desses fazedores e fazedoras da moda. Levar em consideração os problemas: como condições de trabalho, o quadro ainda mais excludente quando analisado pela questão de gênero, onde se descobre com a soma dos números que são as mulheres que seguram o barco das confecções, dedicada em sua maioria somente ao trabalho braçal, numa situação bem específica da moda.
Em abril deste ano a 2 edição do movimento global pela revolução na moda, o Fashion Revolutionpretende unir diferentes pontos das cadeias produtivas da moda em 24 de abril para ajudar a aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda, mostrar ao mundo que é possível mudar, e celebrar todos os envolvidos na criação de um futuro mais sustentável. A ideia já tem adesão do BOX Fashion que também desenvolverá ações voltadas para o tema em nosso mês de aniversário em Santa Cruz do Capibaribe. Ainda essa semana divulgaremos a programação completa.
Por isso hoje começamos a semana perguntante a você: Quem faz as suas roupas? E você costureira, faz as roupas de quem? Felicitações a todas as profissionais e trabalhadoras da moda, costureiros e costureiras que fazem o que vestimos, e levam o valor do trabalho que fazem para criar a moda que criamos e espalhamos pelo Brasil, parabéns pela data, pela profissão e pela história. Acompanhe nossas postagens para participar do Fashion Revolution em Santa Cruz do Capibaribe.
A primeira imagem desta matéria foi publicada originalmente neste link: Fashion Revolution Blog. Veja mais sobre o dia da costureira em nossa entrevista com a costureira Hilda Xavier, que costura a moda antiga roupas por encomenda: clique aqui.
Sobre Box Fashion - redação
Redação do Box Fashion. Moda no polo de confecções do agreste Pernambucano. Consumo, mercado local e conteúdos especiais sobre tudo que cerca a moda. Iluminuras, criatividade e indústria fashion no interior de Pernambuco. @oboxfashion
Sandra Roberta é professora e pesquisadora social do polo de confecções (Mestre em Ciências Sociais pela UFCG/PB), trabalhou engajada em associações religiosas, foi vendedora em feiras, costureira com vasta experiência nas questões críticas e sociais do Polo de Confecções do Agreste pernambucano. Sua mais recente atividade como pesquisadora foi a publicação dos estudos realizados sobre as condições de trabalho das mulheres costureiras trabalhadoras do polo, em parceria com diversas instituições e parceiras(os) pesquisadoras(res) a publicação dos estudos realizados sobre as condições de garantias de direitos às mulheres costureiras trabalhadoras do polo. Um material riquíssimo disponível para download clicando AQUI.
Em entrevista exclusiva ao Box Fashion Sandra representou as pessoas envolvidos no projeto e falou sobre motivações pessoais e inquietudes como mulher e pesquisadora, falou sobre o projeto construído a muitas mãos, cuja finalidade é promover o diálogo social sobre a cultura da informalidade no polo, a desvalorização da mulher no trabalho da moda no polo de confecções.
Box Fashion:Sobre o projeto “Diálogo Social – Mulheres costurando direitos” o que é?
Sandra Roberta: O projeto tem parceria do DIEESE e Nova Central Sindical dos Trabalhadores e prefeituras de Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru. com o objetivo de estabelecer o dialogo social para redução da informalidade no polo de confecções. Em 2013 as coordenadorias da Mulher dessas cidades foram incluídas e nesse cenário delimitamos um foco de estudo sobre o trabalho das mulheres no polo. Fizemos formação com alunos de diversas instituições de ensino Superior e Técnico Após a formação saíram a campo para fazer a pesquisa junto as mulheres.
Box Fashion: Quais as motivações pessoais que moveram você no interesse dessa temática?
Sandra Roberta: Quando eu cheguei em Pernambuco, eu obviamente, como todo mundo, me embrenhei na confecção, não havia outra escolha. Foi uma questão de sobrevivência junto à minha família. Costurei, vendi na feira. Mas eu me perguntava sobre essa realidade, e eu não entendia como as pessoas conseguiam ganhar dinheiro e viver em lugares tão precários. Nada havia estrutura, como por exemplo: o carro do ano que passava pelo esgoto a céu aberto na porta da mesma casa. Haviam contradições que eu não entendia. Quando eu fui ser professora, isso se acentuou:a questão evasão escolar devido o trabalho, baixo índice de escolarização. Em atividades desenvolvidas com a igreja católica, pude ver mais de perto questões que envolviam as/os jovens como a prostituição, gravidez na adolescência e as drogas ralando soltas no mesmo lugar onde a prosperidade também acontecia. Mas eu via e “achava” essas coisas sem aprofundamento científico. Eu precisava entender isso e com o mestrado essas questões passaram refletidas de forma mais aprofundada. Tem jovens que trabalham na fábrica formalmente (com carteira assinada ou não), em casa ajudam ou pais e ainda confeccionam pra si mesmos. Ou seja, tem uma jornada tripla de trabalho. É muito trabalho pra pouca vida. Além do que na região não há opções de lazer. Eu via dois lados da moeda e precisava entender aquilo.
“Tem jovens que trabalham na fábrica formalmente(…), em casa ajudam ou pais e ainda confeccionam pra si mesmos. Ou seja, tem uma jornada tripla de trabalho. É muito trabalho pra pouca vida.”
Box Fashion: E por que a mulher é o foco do estudo: “Mulheres costurando direitos”?
Sandra Roberta: São as mulheres que estavam na invisibilidade, agora se tornam visíveis através dos resultados do projeto. E são elas que produzem as roupas vendidas nos centros de compras, é uma quantidade gigantesca de mulheres costureiras. Há também homens, principalmente em Toritama, mas as mulheres faccionistas formam um grupo de estudo interessante para o projeto, pois elas acabam conciliando vida doméstica com o trabalho dentro de casa. Isso é muito representativo na perspectiva da informalidade. Tem delas que trabalham mais de 16 horas por dia com a costura, fora o que fazem em casa, com filhos, maridos e etc. Realmente são as mulheres que fazem o polo. Outra questão importante é que as empresas estão formalizando o chão de fábrica, mas as facções que são comandadas pelas mulheres, em sua maioria, continuam na informalidade.
“Trazer esse diálogo ajuda e perceber e concretizar a costura de direitos.”
Box Fashion: Quais as próximas etapas do projeto?
Sandra Roberta: Estamos vendo a proposta de realizar uma análise qualitativa com os dados que já temos. E a partir disso propor ações de politicas Públicas nas prefeituras, como por exemplo: a questão do incentivo ao trabalho coletivo, associativismo. No entanto historicamente o polo não tem tradição de atividades coletivas, embora de desenvolva em unidades familiares, com as redes de solidariedade, parentesco e vizinhança, não há experiências de associativismo, sindicalismo. O que há, são associações de empresários e não de trabalhadores; as costureiras, designers, estampadores, dentre outros, estão soltos e de certa forma desorganizadas/os. As pessoas estão culturalmente individualizadas e isso reflete na cidade, e de que forma os direitos são/ou não requeridos é uma questão cultural. Estamos pensando em trabalhar nas próximas etapas, conversando um pouco mais sobre a questão da coletividade e de que forma é possível começar a pensar na execução dessa ideia.
Box Fashion: E quanto ao trabalho que está sendo feito, de permitir acesso a informação, propor ações concretas, o que se espera como idealização de frutos a colher disso tudo?
Sandra Roberta: As mulheres poderão perceber que são sujeitos autônomos, e que podem construir e costurar seus direitos. Não se trata de ser autônomo somente por trabalhar fora da fábrica, mas possuir autonomia concreta de escolhas, poder lutar pelos próprios salários, pelo preço das peças costuradas (que levam a jornadas extensivas), melhorar sua própria condição de vida. Trazer esse diálogo ajuda e perceber e concretizar a costura de direitos.
Diálogos sociais na moda: entrevista com Sandra Roberta é parte integrante da matéria que noticia o lançamento da publicação da cartilha “Diálogo social: Mulheres costurando direitos”. Na ocasião o projeto citado nesta entrevista com Sandra Roberta foi autorizado para download gratuito pela plataforma Box Fashion, confira a matéria e procure nela o link do download clicando AQUI.
Sobre Rodolfo Alves
Sou publicitário que vivo criando conteúdos e ideias, fuçando novidades. Amo a comunicação e estou interessado pela moda no mundo: seja ela nas passarelas de grifes famosas ou nas feiras populares do Brasil.