A mais recente campanha da Rota do Mar trouxe (sem nenhum alarde) homens e mulheres gays e héteros trocando afetos em vídeos e fotos para exibição de produtos referente ao dia dos namorados. Isso importa muito para o tempo que estamos e para os espaços em que vivemos, e eu precisava escrever sobre este assunto.
Observo que, distante um pouco dos tempos em que a propaganda inclusiva era depredada por haters online alimentados pelo ódio politizado* dos últimos anos (como nos casos escrotos do André Valadão e da outra lá com sobrenome Barros que canta festa de São João, com as magazines CeA e os amores de O Boticário), por aqui, nos dias de HOJE, a campanha da Rota do Mar, aberta ao público nas redes sociais e vitrine das lojas, pouco gerou de burburinhos e, nada de novo no fronte a “olho nu”.
A VANGUARDA DAS MARCAS QUE JÁ SE POSICIONARAM ANTES
Olhando de pertinho é importante perceber como realmente fizeram diferença outras marcas da vanguarda do varejo (na comunicação) iniciarem essa conversa, publicarem propagandas inclusivas e abrirem alguns caminhos em comerciais para as bichas, sobre as bichas se amarem publicamente numa campanha de uma marca de moda.
Já em nosso caso (agreste), de uma marca nascida e criada no interior pernambucano, sendo este, o faroeste que somos por aqui, quando o assunto é gênero (violências contra mulheres, gays e travestis e transexuais) e LGBTfobia. Sem segredo nenhum na montanha, as cenas de violência contra a comunidade LGBTQIAP+ nos blogs pinga sangue deixariam até o Ang Lee de queixo caído; talvez não a olho nu, mas num radar mais forte a gente precise pensar na relevância dessa campanha para o contexto da imagem de moda e de marketing no Agreste.
Abertos os caminhos por marcas privilegiadas tanto pelo capital, quanto pelo tamanho e poder midiático do branding, surfando na onda do pink money ou não, as grandes marcas iniciaram a conversa e olha que interessante… a conversa “parece” ter sido naturalizada. Eu suei frio com a campanha da Rota do Mar pensando: “Meu Deus Rota, vocês foram para a trincheira mesmo? Como assim?” Eu só ficava preocupado: tomara que saibam gerir a crise melhor que a escola Santo Antônio (um caso local bem bizarro também no período junino), e me mantive atento aos comentários nos posts e possíveis desdobramentos.
Digo naturalizada no parágrafo anterior pois: para minha surpresa o amor reinou abrandado. Isso é bom! Lembrei de um post também da Rota do mar em que um homem branco abraçado numa mulher branca de costas para a câmera, ela com um cabelo curto, confundindo os olhos desavisados numa legenda que flertava com tema; causando a impressão de serem dois homens, na época os comentários foram bem questionadores, inclusive eu estava lá me perguntado sobre o assunto. 6 de junho de 2017 e de lá para cá os tempos mudaram para a marca e para o público:
Passado o tempo… a campanha bebe de um novo clima normalizado de bichas aparecendo nas telas. Na contramão dessa naturalização suposta temo o caso da novela Vai na fé com polêmicas nas redes sociais demarcando a montanha russa que tema revela. Eles também foram nos comentários da marca deixar sua saudosa indignação.
Essa mesma “naturalização” tira o pioneirismo da Rota do Mar no cenário macro da moda, mas a própria marca não se posiciona como de vanguarda e isso é um ponto, e dado seu tempo, e tudo no seu tempo… se torna pioneira em nossa região junto da John Cunningham a protagonizar uma mais uma campanha COM LGBTs em cena.
(toque aqui para ver conteúdo da John Cunnigham postado em de 2020)
(toque aqui para ver conteúdo da Campanha de Namorados da Rota do Mar em 2019)
A CORAGEM VIRA INFLUÊNCIA PARA OUTRAS MARCAS
O recorte geográfico é o ponto importante dessa campanha da Rota do Mar, como já disse aqui o faroeste agrestino contra LGBTs na cena, e a comunicação da marca dando relevância ao tema visto que a esta empresa é referência de marketing e caso de sucesso para muitas marcas menores que cercam o polo de confecções, em resumo essa influência é traduzida no exemplo de um cliente meu na época de MG7 Marketing que, em nossas reuniões este cliente sempre dizia:
Todo mundo quer ser um Arnaldo, todo mundo quer se tornar uma Rota do Mar.
Talvez o caminho na rota deste mar seja um pouquinho mais longo para quem empreende refém de moralismos, eu teria dito para aquele cliente. Sendo assim avaliemos essa influência como grande marca da região e a importância de com essa campanha (eu diria pequena, na bolha do digital, com curto período de veiculação) pode encorajar o olhar da diversidade com mais profissionalismo, interesse genuíno e respeito longe de guetos estereotipados do mundo das bichas.
Quando trago o profissionalismo como régua desses novos dias me refiro a uma evolução no trato com o tema longe tão somente de uma assinatura do branding da marca (urbana, anarquista, diferentona) onde a coisa GAY é acessório de algo anterior. Ter pessoas gays posando para a campanha precisa carregar sentidos e significados além do mero branding, por que o branding bebe da gente e não se pode ficar só por isso. Para além do público se ver na imagem de moda gerada, é preciso consistência e profundidade no que se faz ao usar essas imagens, entendendo que a campanha passa, o mês do orgulho passa e nossas viadas/vidas ficam. Trend Alert!
Voltando a campanha da Rota do Mar com tempos de ânimos mais abrandados [ficcionalmente/teoricamente/ilusoriamente/expectativamente, por que na vida real o bicho tá pegando] a receptividade do público realmente me surpreendeu, e ainda vou dosar essa fala pensando que: se houvesse um outdoor na saída do Moda Center a campanha teria colocado fogo no parquinho, mas a vitrine estava lá com as rachas e os boys no love love, o título brincava com a escrita não binária NAMORADXS e eu amei ver aquilo sem medo nenhum no meio do Moda Center em dia de feira.
O valor dessa campanha se coloca no cantinho da naturalidade. Despercebida ao olho apressado dos espaços físicos talvez, e no digital, mais acolhimento com a narrativa adotada… (o que é esperado em certa medida no ambiente virtual mesmo). Em resumo parece que a Rota do Mar foi para a trincheira já quando a guerra estava em negociação de cessar fogo. O que não diminui o valor das escolhas corajosas de: uma marca grande, influente, alcançar públicos ATACADISTAS (muitas vezes conservadores) com esta mensagem. E “esse é um pequeno passo para a [moda e a marca], mas um gigantesco salto para a humanidade”.
LEGADO E TAMANHO APOIANDO O ENCORAJAMENTO
Também por ser uma marca grande, a Rota do Mar em seu posicionamento “Guarda Chuva” de Grupo Rota do Mar bebe do privilégio de fazer algo assim no conforto de não expor seu faturamento ou, imagem no mercado ao risco de se comprometer tanto com compradores, em comparação com marcas menores. É quando se chega num lugar da cadeia onde o marketing de moda desenha a estratégia no conforto de onde ele mesmo levou a empresa.
Para as marcas menores o “risco” de ficarem nichadas como marcas para gays somente (o que não é ruim) talvez as desencorajem de lançarem mão dessas estratégias. Porém as marcas menores ainda estão longe desse lugar pertinho da fresca do mar, e não por demérito, esse não é o ponto mas, por que em escala as marcas menores ainda estão sofrendo com o básico, saberem vender no WhatsApp por exemplo,(toque aqui para ver: como mostra a pesquisa que realizamos recentemente com mais de 2 mil entrevistas no Moda Center e Calçadão Miguel Arraes).
Quando não se é bom ainda no básico, o brisa padece. Esperar essas narrativas de uma concorrência é pedir muito. Outra uma vez um pioneirismo que coloca a empresa numa rota ainda mais perto do mar.
IMAGEM DE MODA, NARRATIVAS E
NOVOS PÚBLICOS POSSÍVEIS
Amasso pode. Aperto de mão pode, abraço também. A campanha traz sutilezas de quem mapeia um terreno numa primeira visita a uma nova cidade e me perguntei também: Será que não está datada a campanha? Moda é novidade. E a retórica é verdadeira quando ponderamos que: é um tema datado para quem? Há muita gente ainda distante desse tema, tanto marcas seguidoras dos exemplos da Rota do Mar, como também compradores e compradoras atacadistas.
Em nossa bolha é sim um tema datado e dado como “resolvido/mapeado” hipoteticamente, mas um amigo pondera e reforça:
Tem que ter campanhas assim sim, sempre tem que ter, quanto mais tiver melhor fica. É algo natural mesmo, é importante que haja mesmo sendo algo que sabemos. Nestor Mádenes
Complemento dizendo que a formação de novos publicos deve estar interessada nessa naturalidade com que lidamos com os assuntos que vem transformando e mudando nas marteladas repetidas dos conteúdos atuais.
No meio dessa rota rumo ao mar… eu necessitei conhecer a visão da empresa de dentro para fora sobre o assunto. Por que a gente já está mais que exaurido dos casos de marcas que: mostram mas não contratam, clicam mas demitem, assumem nas câmeras mas guardam nos armários do refeitório. Para além da campanha eu enviei perguntas que foram respondidas por Beatriz Xavier, atual diretora criativa na Rota, ela vem peitando novos rumos estéticos e renovando o mood da marca (tenho visto – e tá ficando bonito):
1 – Qual o posicionamento que a Rota do Mar tem hoje em dia com os públicos LGBTQIAP+ ao lançar uma campanha com inclusão de diversidade no Mês do Orgulho LGBT?
Beatriz Xavier: A diversidade é um dos aspectos da identidade da Rota do Mar, algo que sempre foi muito forte no DNA da marca e não apenas do ponto de vista de gênero, mas de raça, de corpos e da nossa cultura. Valorizamos a diversidade em todas as suas formas. A cada campanha estamos nos mostrando para o mundo, para o nosso público e para o mercado que atuamos de maneira diversa, refletindo a representatividade que já existe na nossa realidade interna, na nossa cidade, no nosso estado, no país e no mundo nos nossos produtos.
2 – Como a Rota decidiu por esse tema?
Beatriz Xavier: A campanha do Dia dos Namorados deste ano foi pensada para refletir o amor de casais reais. O olhar para a vida real e para como o amor pode se comportar nas mais diversas linguagens foi o que despertou nossa vontade de contar essas histórias. Seja qual for o tipo de casal, é para o afeto se movimentando no mundo que queremos olhar. Todos que participaram da campanha são pernambucanos e isso reforça nosso sotaque, o orgulho de ser quem somos e de onde viemos tão presente no nosso DNA.
3 – A empresa tem interesse em manter essa comunicação incluindo diversidade para além do mês do orgulho?
Beatriz Xavier: O tema da diversidade já vem sendo abordado na nossa comunicação há alguns anos e vamos permanecer ecoando esse aspecto nas nossas campanhas e produtos.
4 – A Rota é uma empresa referência no mercado local enquanto case de marketing e comunicação. Sendo assim, como a Rota vê essa influência para as demais marcas do setor? Internamente a Rota do Mar tem políticas de acolhimento, contratação e lida com a diversidade?
Beatriz Xavier: Faz parte da nossa história dar os primeiros passos e, assim, abrir caminhos. É com orgulho que carregamos o título de pioneiros no cuidado com os colaboradores, no investimento em tecnologia e inovação e na sustentabilidade. Achamos muito positivo que possamos influenciar mais uma vez o mercado e o setor na nossa região no que diz respeito à diversidade. Hoje, nossa liderança é majoritariamente feminina e contamos com pessoas LGBTQIAP+ em vários setores da empresa. Dessa forma, o que abordamos nas nossas campanhas não está dissociado da nossa realidade, é reflexo dela desde o princípio. Na prática, a empresa vem alargando fronteiras no sentido de contar cada vez mais com ações para cuidar do nosso maior recurso: as pessoas.
5 – Como tem sido o acolhimento dos clientes com a campanha?
Beatriz Xavier: A campanha vem sendo acolhida de forma positiva, com feedbacks muito emocionantes que nos fizeram ter a certeza de que estamos no caminho certo. Essa e outras campanhas têm sido muito bem recebidas pelo público. Há o entendimento de que a moda que fazemos está conectada com o contemporâneo e refletem a nossa verdade.
Nesse percurso longo e para não morrer na areia da praia sem nem tocar na água do mar, mesmo sem nunca ter visto esse oceano antes, o que fica apurado é uma abertura natural ao diverso… o feed do Instagram da empresa prova isso há muito tempo. A diversidade envolvendo afetos românticos, gênero, sexualidade… é somente mais um ingrediente para a receita de sucesso que demarca a trilha dessas rotas que amamos acompanhar.