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Revolução da moda num mercado atacadista

Venho pensando nessa Revolução da moda num mercado atacadista depois de ter me tornado representante local do movimento Fashion Revolution no Brasil. As implicações práticas dos aprendizados que tenho tido são inúmeras, mas sempre na esfera do consumo/consumidor na maioria das vezes. Em tese as questões da indústria tem ficado fora do meu radar, pois os cases parecem distantes de mais da minha realidade de polo de confecções do agreste pernambucano. Esse texto surgiu das provocações tidas ao ler o primeiro capítulo do livro ‘Moda com propósito’ do André Carvalhau. Sigamos esse fio de questões:

ENTUSIASMO COMO DETALHE

O livro começa pelo FIM (ainda não terminei a leitura). André anuncia segundo diversos painéis de tendências, o FIM da moda (qual moda?). Como o livro é em primeira pessoa, traça um olhar da moda a partir das experiências do autor a respeito das visões que tem do mercado da moda em transformação. Ele manifesta: “Mais moda, menos Roupa” e analisa como seu estilo de vida mudou, e usa esse exemplo individual de mudanças na sua trajetória para ilustrar um perfil de consumidor mais preocupado com o futuro, e mais informado sobre si mesmo e sobre o mundo que consome.  Só faltou a Anunciação do Alceu Valença – Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais, me entusiasmei com a visão do cara.

QUAL POSICIONAMENTO ASSUMIR?

Concordo com autor nessa observação certeira das mudanças no mercado da moda. E algumas perguntas como a do parágrafo acima: “qual moda está acabando?” me vieram. Por que lá na bolha do André enquanto essa moda dos desfiles, do consumo desenfreado está acabando, aqui na minha bolha ela está a todo vapor. Dicotomias, acessos e distribuição de informação e padrões de consumo chegam em diferentes tempos e com diferentes profundidades para cada grupo social, econômico e geográfico. Sabemos.

Mas é bom ficar de olho nas preocupações levantadas pelo autor, do consumo em experiência individual para o consumo em escala, entender essas mudanças traz muito valor para nossa ação como indústria local.

Roni Rodrigues do BOX 1824 já na abertura do livro fala sobre os paradoxos, e cá estamos nós com este. As diferenças de tempo das modas finitas e das modas por aqui recém nascidas. A busca de soluções realmente começa nos mercados mais saturados, e como isso seria na ponta de cá, um mercado atacadista no interior do estado de Pernambuco. Me perguntei. E me perguntaria para além da moda como estética e apelo de vendas em narrativas simbólicas da roupa, trocando a palavra “saturada” por “exausta”: em nosso mercado local, estaria a moda exausta?

Primeiro como essa experiência de saturação do mercado se dá por aqui, em tese a criação genuína sabemos, precisa de aprofundamento e pesquisa, e sabendo dessa ausência técnica e conceitual, nossa indústria é contextualmente repetidora dos looks das blogueiras muitas vezes, e segundo se essas soluções bonitas que talvez o livro traga (ainda não terminei) seriam válidas para mais de 10 mil boxes e lojas que comercializam produtos de moda somente numa das 3 cidades principais do polo de confecções. O que e como faria sentido pra gente nessa revolução provocada pela saturação do mercado criador lá no topo? O que nos falta ver de olho no próprio umbigo que nos implique revoluções tais?

A crise é estética ou mercadológica?

1 – Ele argumenta sobre a marcas sempre em releituras dos anos passados para criar produtos novos, hoje motivadas pela falta de tempo para que de fato o novo se crie (tempo histórico e não tempo de calendário). Mas o novo para quem?, por aqui, tudo, como se costuma dizer: “tem saída”, vende. É possível essa nossa indústria local se sentir motivada a mudar alguma coisa num mercado frenético em constante crescimento?

2 – Voltando à abertura do livro pelo Roni Rodrigues, ele cita: “Para quem produz [ponto que quero chegar], implica uma revisão de todos os conceitos: da escolha de matérias primas [nossos fornecedores estão atentos a isso?] aos modelos que apresentarão os looks; dos temas que inspiram as coleções aos símbolos que serão comunicados. Ao reformular os processos, todos têm chance de trabalharem a favor da vida. Será preciso resgatar os valores humanos das empresas: propósito será o principal conector entre marca e público.”

O propósito sobe no palco como solução primeira, viável, discursiva e eu diria provisória. Por que em algum momento, acredito que os algoritmos big data vão achar propósito pré-formatado para cada uma das 10 mil marcas que citei acima. Será? Entenda que isso não é uma afirmação, é mais uma especulação. Então, receio dizer que concordo em especular. Nessa bolha de cá a banda não tocaria assim, tão esperançosa. Exauridos estamos de só trabalhar.

CONSIDERE PERGUNTAR O QUE MUDOU PARA QUEM

Como seria mudar a moda num ambiente de negócios atacadistas como o nosso? Só agora a moda alcançou essa massa que nos compra, logo agora que as redes sociais espalharam para além das bolhas do sul a moda que vendemos, bote ai na conta o trabalho dos influenciadores digitas e o consumo barato dessas mídias.

O André fala que parou para ver no guarda-roupas dele tudo que não lhe servia mais. E eu pondero considerando os muitos mais compradores que revendem no varejo e esse varejo faminto por significar seus momentos (com poder de consumo) com uso de roupas e estilos. Me parece que a moda que mudou foi somente na casa do André.

Gosto quando ele fala das multiformas de expressão para além da moda, e incluo aqui, efeitos e filtros nas redes sociais, música e etc. Além da vestimenta. Pois é, isso amplia ainda mais o mercado da moda para além do têxtil, e agora amplificado e massificado para muito mais gente.

Como será o FIM dessa moda pelas bandas de cá? Bora colocar na conta as questões macro mais urgentes?
A – meio ambiente e poluição do rio Capibaribe por exemplo;
B – acesso a emprego e disponibilidade de mão de obra – aqui as fábricas não produzem mais por falta de costureiras, tem marca contratando para ensinar fazendo;
C – transformação do trabalho feminino, hereditariedade de gestão e protagonismo da mulher na cena local;
D – paradoxo da feira moderna para comercializar produtos de uma suposta indústria 4.0 (aqui ainda TAMBÉM, aparamos as pontas de linha com candeeiro nos quintais das casas de famílias produtoras);

NÃO HÁ CONCLUSÕES PROVISÓRIAS

Esse texto me levou para reflexões que buscam adaptar os questionamentos do autor para essa realidade minha. E pensar nos desafios únicos que a indústria local tem a resolver. Enquanto o consumidor hiper informado e mult expressão dita a pisadinha da criação sob demandas, baseado em relacionamentos e experiências mais verdadeiras e autênticas by big data, muitos pequenos comerciantes tem seu negócio ameaçado com as dificuldades de atender no WhatsApp e na inabilidade de gerir redes sociais (na agenda de produção familiar sobrecarregada).

As soluções já em curso no varejo: como o fortalecimento dos brechós, e o exemplo das empresas com renovação do ciclo de vida dos produtos (LEVIS – C&A + Enjoei) são (a gente sabe) ensaios. Mas o peso maior está no chão de fábrica. Vai ser possível fabricar propósitos  na indústria 4.0, um para cada ser humano? Eu fico pensando se a conta fecha.

A moda para o interior do agreste sempre esteve ligada a sobrevivência, basta fazer um rápido resgate histórico. Será que sobreviver é um propósito válido e suficiente para continuar uma indústria atacadista de vestuário? Nos dias de hoje, ao nível do que vivemos e de como vivemos, já superamos o degrau da sobrevivência por completo, para todos e todas? Ai poderemos pensar em mudar a moda local?

Eu estou amando essa leitura e tudo que ela me desperta, aguardemos os próximos pontos de reflexão.
Este texto faz parte das reflexões provocadas pelo diálogo aberto nas ações do Manifesto Sulanca.

 

Sobre Rodolfo Alves

Sou publicitário que vivo criando conteúdos e ideias, fuçando novidades. Amo a comunicação e estou interessado pela moda no mundo: seja ela nas passarelas de grifes famosas ou nas feiras populares do Brasil.

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