Ser um só é tão vulgar
Já diz meu amigo André Joaquim, parafraseando algumas de suas muitas referências de alguém que estudou história: ser um só é tão vulgar. Fazendo perceber que nascer assim, crescer assim e ser sempre assim é se colocar na vulgaridade do estável, na leviandade da mesmice. [Do contrário não devia ser nada fácil ser a Elke Maravilha.] A questão é quando tudo que somos precisa ser mostrado para ser validado, efetivado, comprovado, num currículo de experiências sociais obrigatório para pertencer.
O outro lado, o ser trivial, comum, banal, passar despercebido, não ganhar likes, ficar na entoca perdeu também seu valor e sabor. A vida ordinária e banal precisa ganhar sempre os holofotes de uma tela de celular, de uma câmera de última geração.
Na moda o lugar comum parece longe de ser algo desejável. As marcas correm como loucas botando pressão nos criadores por novidades de gráficos, modelos, estampas, estilos. Insano. Nada mais basta para saciar a fome do mercado, da economia, de criatividade, mesmo com uma repetição tediosa de anos 60, 70, 80 a cada temporada como argumenta Regina Guerreiro em entrevista para a revista Trip.
Especializados, diferenciados, superexpostos: meu filho que canta, meu nariz novo, minha bunda de marca. Ser diferente é a regra e não basta, tem que postar. Mas um novo movimento resultado da exaustão desse sistema tem colocado o pé no freio de cada vez mais pessoas. E ser diferente agora é considerar o comum como banalidade, não precisa o comum ser o oposto do diferente. Maluco isso né? Significa que existir libertadoramente considera o fato de se ser trivial de verdade como aponta o youth mode, um estudo do BOX 1824 lançado em Londres.
Repensar as personagens que criamos de nós mesmos e questionar a validade de tanto espetáculo é um caminho em contra corrente que ganha força. Naturalizar é a palavra de desordem. Afinal, onde só há diferentes todos somos iguais. Que maluquice sem fim é essa? Que busca sem nexo estamos empreendendo?
Lorde canta em Royals o dilema de existir sendo e não sendo vítima do consumo: dessa realeza mentirosinha que só existe na nossa cabeça.
Tem gente que não cansa de mostrar, outros já se cansam de ver. Tem quem não largue a câmera, uma foto não basta, fora todos os testes até uma das mil tentativas ficar boa. Depois de tanta foto de tudo: o exibicionismo até ficou cafona? Como nos sentimos em relação a isso? A angústia de precisar de um super assunto para virar moda. A inquietação de um jornalista por pauta se espalhou pelos leitores… ligar a câmera do Snapchat e não ter assunto? Que pavor!
Reinventar a camiseta branca, sobrepor estampas e argumentar novidade. Me parece que não há mau algum assumir com clareza o esgotamento do novo. E esse tédio criativo, essa calma sublime que nos assusta no silêncio de agendas vazias pode realmente nos cutucar para perceber o que importa, sem receitas, mas o que importa a cada um, em cada silêncio.
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